ALDO GOMES: Vírgula

*Aldo Gomes

Há pouco ou há muito tempo, não lembro bem, mas isso, de precisar o quando, torna-se irrelevante, considerando a oportunidade do tratamento de um assunto incomum, pela forma como aqui nos propomos. É incipiente o esforço para marcar o exato momento do meu estado de aptidão para dar início à revelação deste enlace, mesmo que haja sensação de alguma coisa me lembrando de que eu só teria êxito se em uma exata fração de segundos grafasse as primeiras palavras, pois do contrário tentaria em vão. Quanto ao preâmbulo, que poderíamos chamar de “arrodeios”, os quais parecem ser indispensáveis, termino me questionando se tenho na verdade que fazê-los. Acho-os necessários para entrar no tema que me desafia, ou me atrai, ou ainda, que me excita, sendo esta a palavra certa, em vez de incita, pois também me surge a percepção de que a primeira não é usada apenas e de modo exclusivo no sentido que parece óbvio e continuo me surpreendendo por achar que falta um pouco mais de conjecturas a desenvolver para, aí sim, adentrar ao ponto desejado, não só movido pela ansiedade, mas pela proposição de marcar pontos nesta desafiadora empreitada.

Eis que esse pouco mais, segundo me consta, é fato, pela inibição ou talvez pelo temor que me ocorreu ao pensar na obrigatoriedade à qual poderia me submeter, desditosamente, de perscrutar a vírgula, mesmo após a batalha do questionamento sobre os “porquês” de tal atitude, em razão de ter agido em caráter semelhante ao escrever ou ter ousado trilhar os infindos e surpreendentes caminhos das reticências, ainda que tenha me dado por satisfeito até que me apeteça continuar aquela viagem. É possível, assim, arriscar a assertiva de que, a esta altura, fica patente o meu receio de ter confabulado sobre as reticências e agora o fazendo sobre a vírgula, eu próprio venha a me cobrar, por achar se trate de uma questão crucial, no sentido de escrever, ainda que no campo das diligências, sobre todos os outros sinais de pontuação da nossa gramática e não me ache com a necessária inspiração e fluência para tanto, criando, destarte, a sensação de ter ficado no meio do caminho e ainda me acusando de indevidamente ter mexido no que estava quieto e não reclamava intromissão. De modo impactante e suavizante, porém, bateu-me a convicção da insustentabilidade desse temor.

Daí, então, necessariamente, encaro o confronto com esse chamado, pela natureza de prazer, entretenimento e realização pessoal que o reveste.

Asseverar que a vírgula, onde ela tenha de ser considerada, não fecha um raciocínio é pouco, pela oportunidade que oferece ao usuário de melhorar e até, se necessário, ajeitar a compreensão daquilo que de início se pretendia dizer. Se pudesse falar com enfoque nostálgico deste singelo ponto que estende pequena calda pendente e corcunda à esquerda, diria que a vírgula é uma fiel amiga, pronta a nos ajudar como ferramenta indispensável na construção dos termos e frases com que nos damos a entender. Sua boa companhia na mensagem verbal, fonada ou escrita nos deixa seguro, pela fidelidade que imprime ao pensamento revelado.

Entretanto, por questão de princípios, nos obrigamos a dizer que este sinalzinho, se olhado com certa desatenção e desinteresse, ou se o usarmos com acentuada inabilidade, podemos torná-lo um tipo inconveniente que se apresenta onde não foi chamado ou insensível e desleal, se o usarmos no tempo e lugar impróprios, momento em que daria um sentido indesejável àquilo que pretendíamos comunicar. 

Face a uma sensível mudança de conotação que pode transformar a vírgula de mocinho em vilão e tendo de traçar contraposições no seu perfil, apraz confirmar que ela é factível de se apresentar como faca de dois gumes, pelo prazer que nos permite quando da boa condução das transcrições dos nossos pensamentos, que por sua vez nos alegram com a suavidade de sermos entendidos, mas na outra vertente pode nos envolver em situações constrangedoras e, vez por outra, até mesmo em desconforto psicossocial de difícil reversibilidade. 

Nos casos a seguir, para descontrair um pouco, nos damos conta da importante função e delicadeza deste utensílio gramatical de pequena visibilidade, porém grande e forte no desempenho de suas prerrogativas. Veremos alguns exemplos extraídos de uma publicação em redes sociais, via Google, de Edwagney Luz, Consultor e Arquiteto de Teste de Software e Professor de Cursos de Pós-Graduação em Qualidade e Gestão de Software, PUC-Goiás, sobre o uso incorreto da vírgula: _ Isso só ele resolve. Ou: _ Isso, só ele resolve. Vemos aí o sujeito não sendo apresentado como único, exclusivo, mas como alguém que resolve; _Não, queremos saber. Ou: _ Não queremos saber. O caso demonstra mudança de opinião; e a vírgula condenando ou salvando? Vejamos o próximo exemplo: _ Não tenha clemência! Ou: _ Não, tenha clemência! Enfim, ainda fica aqui um exercício para o leitor, em que não sugiro a resposta, mas adianto que, pela colocação, descarto uma possibilidade, porquanto o homem poderia saber o valor que ele próprio tem, mas a mulher, não, para que andasse de quatro _ sentido figurado, é claro _ à sua procura. A frase, então, é esta: _ Se o homem soubesse o valor que tem a mulher andaria de quatro à sua procura. Se preferir, tente acertar, mas convém lembrar que, de fato, o uso da vírgula não é tarefa simples e fácil como poderíamos imaginar. Posso até, no presente texto, ter dado a ela a chance, involuntariamente, de repousar onde não devia. No entanto, cabe a todos nós o devido empenho no sentido de aprender a lidar com ela de forma correta. Há, também, hábito popular de se contrapor a alguém que emitiu opinião sobre outrem, que não corresponde à verdade ou desta pouco se aproxima. Neste caso a pessoa que se acha incomodada, após o interlocutor dar por concluída sua opinião, rebate prontamente. Por exemplo: _ ... intempestiva, vírgula, justa, quanto necessário! A interveniência pronta e conclusiva dá a entender que a pessoa cuja postura estava em análise, achando-se injustiçada, resolveu fazer a devida correção no ajuizamento de quem emitia parecer.

Lembremos, por força de uma melhor compreensão, que a vírgula não segue intransigentemente uma regra própria, sem atentar para o estilo de comunicação de cada pessoa. Não dizemos aqui que ela atende com prontidão o bel prazer da colocação linguística de um por um dos seus usuários, mas permite adaptar-se ao uso possível, tanto personalizado do indivíduo que a maneja. Não surpreende sugerirmos que as pessoas têm estilo próprio, linguajar típico da personalidade e maneira peculiar de observar e opinar, tanto que uns conseguem se expressar com maior facilidade e de modo diferenciado, chegando a impressionar, a agradar ou, até, em outra vertente, causar ojeriza, motivar o afastamento dos semelhantes e nisso tudo a vírgula tem um papel fundamental. Todos nós, quando escrevemos, lemos ao mesmo tempo e alcançamos, em face disto, sequenciados estados e níveis de humor, graus de espiritualidade, desde que estejamos, de fato, centrados e vivendo o que sai do nosso pensamento e anotamos. Foi assim que ao me referir ao papel fundamental _ um deles _ natural e surpreendentemente esbocei um tipo corrente, mas não elegante de sorriso, por ter sido pelo nariz, em leve sopro, ao me surgir a pergunta: _ Por que estou escrevendo isso, tentando esmiuçar as faces visíveis e até as ocultas da vírgula? Da minha parte, acho que sei o porquê, como tenho dito sobre o prazer, a sensação de desbravar, a certeza da vocação para ir além do comum, enfim, motivos não faltam, mas o inconsciente me sugere, ainda, consultar a psicologia, que daria seu ponto de vista científico e somatório. De fato e de verdade fica a certeza da alegria de lidar com o desconhecido, com a imaginação do improvável e o prazer de, quem sabe, encontrar ressonância de compreensão com alguém, uma ou muitas mentes. Caso isso aconteça, imagino que estou bem, gozando de uma racionalidade desejável.

Qualquer que fosse o sinal de pontuação tratado, por mais que eu decifrasse o indecifrável até o momento, jamais completaria o conjunto de conceituação que alguém esperaria e este, a vírgula, um dos mais ricos em extensão de compreensões, não pode ser, de todo, desmontada e novamente montada, acabada de forma irretocável. Não pretendo tal nível, mas anseio por vê-la descrita e sondada por outros pensadores, de sorte que eu tenha a feliz ventura de somar às minhas impressões aquilo que não percebi, por mais óbvio ou impensável que fosse. Por que isto? Para preencher lacunas da curiosidade, que uma vez reduzidas nos deixam mais livres, leves e satisfeitos quanto àquilo que a nosso ver nunca foi revelado, nem ao menos proposto ou pensado, mas tem um sentido de conforto mental, pelo alcance delicioso do entendimento que nos acaricia o ego, nos causando suave impressão de capacidade para algo mais. 

A corcundinha nos adverte que está muito grata pela atenção e estima que a fizeram merecer um pouco do gasto da nossa massa cinzenta, mas lembra que não vale a pena a tentativa de desnudá-la por completo, pois, se conseguíssemos, perderíamos a oportunidade do prazer de tentar novamente.

*Secretário de Planejamento de Pedreiras
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